Um pouco sobre a lógica matrixial em Ettinger

Sabemos que o feminino — caso seja correto designar esta condição — floresceu antes daquilo que é fálico, mas o que Bracha Ettinger nos convida a fazer é pensar o feminino juntamente a ele quando propõe-se a analisar o ritual da Vaca Vermelha. Enquanto a ambivalência da lógica Pai-Deus, o paradigma do falo da lei patriarcal, espelhado, dentre outras coisas, na dualidade entre vida e morte, e que não deixa espaço algum para que pensemos ambiguidades, o ritual da Vaca Vermelha prova justamente tratar-se de uma exceção à regra, tendo em vista precisamente a sua natureza ambígua. O ato de purificação, aqui, parte de uma natureza que, em outro contexto, seria impura. É comum à lógica fálica conceber termos em oposição, daí a necessidade de pensar um feminino que coexista com ela. Deusa-Terra: não partindo de uma posição prévia ou póstuma, contudo em sua relação coexistente e de atrito com o Deus-Céu. Lidamos, acima de tudo, com questões de temporalidade e processos cíclicos. Estamos em vias de pensar o Outro quando deixamos o tempo estagnado do Pai. Em termos propriamente psicanalíticos, isto representa, acima de tudo, o paradigma da castração, paradigma figurado em uma necessidade inata de separações estabelecida pela ordem simbólica que assim o faz com todos os sujeitos, que consumam em si um “sacrifício,” isto é, o abandono de algo precioso de si próprios a fim de uma adaptação às ordens familiares e sociais definidas pela Lei do Pai. Não é por outra razão que o Outro, aqui, assume o papel da Mãe em toda e qualquer das suas manifestações. Esta é talvez a forma mais característica da abjeção: Mãe, enquanto negação pelo Pai. Uma vez incorporado à função simbólica como significante o real sacrificado do falo, as pulsões aqui respondem à jouissance de corporalidades infantis — é nisto que consistem as suas motilidades.

Ettinger, portanto, na sua proposta em considerar o feminino coexistente à lógica do falo, não antes, nos apresenta um outro modelo para o tratamento da questão do Outro, bem como a questão do senso do indivíduo: a subjetividade. Lidamos aqui com o extrato do matrixial — não como um modelo matrilinear em oposição àquele patriarcal, tampouco a Mãe-Terra em atrito com o Céu-Pai, uma vez que as ambivalências e os diacronismos aqui perdem o seu valor. Temos aqui uma teorização do feminino propriamente dito em sua concepção do sagrado, onde o universo fálico sequer chega a significar, onde lidamos com o diferente sem oposição. Os remanescentes de modos arcaicos de experiências corpo-reais, em seu sentido lacaniano, isto é, “zonas perceptivas e sensoriais inscritas como cicatrizes invisíveis quanto à extração do sujeito da camada de experiências indiferenciadas de intensidades pré-verbais e elementos pré-objetivos,” nas palavras de Griselda Pollock. “Chuk,” a lei hebraica, elemento normativo patriarcal, sofre a sua alteração semântica em Ettinger e converte-se em “chuka,” em um movimento linguístico gerador de significado que bem nos faz imaginar as manobras com que alguém como Cixous, com certo desespero, talvez, arrisca nos campos da sua eterna Língua-estranha; esta metramorfose de Ettinger, que, diferentemente da metáfora e da metonímia ligadas ao falo, repensa o impuro, torna-o em um vagar, não como oposição ao puro, contudo como o eternamente estranho.

Niddah, um devaneio, nunca uma separação. É aqui onde as subjetividades florescem, não, todavia, sem um preço a ser pago, uma vez que elementos desconhecidos deste Outro podem fazer-se impressos na psique sob a condição de novos traumas pela razão mesma de estarmos lidando com o desconhecido, com o não-Ego. Estamos agora no campo exato das relações éticas, as relações com o outro, com a alteridade. A condição do objet a lacaniano enquanto corpo feminino, estranho, nos leva inevitavelmente à questão do exílio enquanto “realidade psíquica, distresse social, experiência estética” e, acima de tudo, “problema ético,” como aponta Ettinger. Dentro do universo fálico do Uno ou do Todo, dentro deste paradigma, que é movido entre quer seja o ser, quer seja a falta, qualquer alteridade em questão é apresentada enquanto corpo parasitário, destinado à sua aniquilação não importa por meios de assimilação ou banimento. Na lógica matrixial, de outra forma, o Outro e o Ego compartilham traços a fim, de forma que, ainda que consequentemente separados, deixam os seus traços um no outro. Não há, desta forma, simetria por oposição entre os paradigmas fálico e matrixial, uma vez que ambos funcionam por meio de lógicas distintas. Enquanto o primeiro vem a ser através da malha do Outro arcaico, somente atingindo a condição de sujeito enquanto vigiado pela ameaça da castração — através da separação —, sob a legislação deste Outro simbólico — manifesto pela cultura e pela linguagem —, a lógica matrixial efetua o seu registro entre os campos do pensamento e da fantasia, onde existe entre ambos uma espécie de aliança, pacto, conectividade que contém, de antemão, a diferença e a coemergência do múltiplo: a subjetividade como encontro. Isto nos traz de volta à passagem da Vaca Vermelha, analisada por Ettinger. É necessário pensar a história do sagrado e confrontá-lo como um elemento ativo no que diz respeito à estruturação de subjetividades; pensando a história das religiões pensamos também a história dos sujeitos.

— Nota escrita em 7 de junho de 2025.

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