Caminhando sobre a corda bamba — e antes fosse esta uma alegoria circense —, o arquiteto vanguardista pós-moderno delineia o seu projeto de resistência contra o fenômeno da universalização, ainda que o mundo das culturas tradicionais não cheire bem ao seu espírito: quase tudo termina por representar um estorvo da pesarosa modernidade. Os saberes ético e mítico de uma cultura cansada porquanto repetitiva, repetitiva porquanto cansada, os seus últimos suspiros espalhados por pigmentos sobre as telas das pinturas de meados do século XIX. A grande ironia de uma generalizada cultura de consumo que tende a explorar cada vez mais recursos naturais até o extremo do seu esgotamento reside no fato de que, na verdade, nos aproximamos gradativamente de um estado de subcultura mundial. A estrada para a modernização, de forma paradoxal, exige um assassínio lento, mas determinado das tradições e das mais desgastadas tentativas de construção de um espírito nacional erguido historicamente. A entrada no diálogo das pesquisas científicas, técnicas e políticas pressupõe, portanto, o sacrifício das raízes. Nisto consiste, em termos gerais, o balançar incessante da corda do arquiteto face à pós-modernidade.
Dentro da ambulância, em contato com alguns elementos da cidade, o delírio esquizofrênico salta à parte de um mundo simbólico bem delimitado e adentra outro de fluxos semióticos intercambiáveis. Nada por si é objetificado. Tudo faz parte de um processo de continuidades e descontinuidades. O significante e o significado saussurianos, nas suas relações internas mais indispensáveis, desabam em uma gramatologia plena, onde as unidades semióticas são, de fato, pré-linguísticas, as suas conexões com o sujeito dependem do fluxo que as liga aos momentos precedentes tanto quanto aos ulteriores da cadeia. O esquizofrênico avista um bonsai de flores rosas: o seu posicionamento topográfico, a forma baseada em sua memória genética, as nuances estéticas de sua coloração, enfim, toda uma codificação que apenas extrai a sua razão de ser dentro do conjunto de interrelações com os outros elementos que movem conforme a ambulância avança. O sujeito é, de fato, sujeito simbólico e semiótico, como afirma Kristeva, vive entre o fatal dilema que consiste na inauguração definitiva de uma identidade bem definida, por um lado, e as χώρα sempre errantes dos devaneios semânticos. A cidade, por fim, significa, precisa significar, mantém-se erguida e soberana por conta da incessável afirmação dos seus sistemas simbólicos. O que perdurou desde o século XIX começou a ruir, pelo menos, desde a década de 1960, onde espaços bem recortados e enquadrados pelas indústrias secundárias e terciárias e os seus bem localizados focos de funcionalização terminaram por perder-se por entre as massas cinzentas da grande metrópole com todas as suas pretensões à universalização. O movimento avant-garde, desde a sua ascensão há quase dois séculos, hesitou entre estes dois polos extremos, ora engajando-se no processo de modernização e agindo como uma espécie de motor potencial, ora afastando-se e opondo-se radicalmente à lógica positivista da cultura burguesa. A buzina, a britadeira acústica de Russolo exaltaram os primeiros passos futuristas rumo a uma contracultura purista, neoplástica e construtivista; tudo em vão, não obstante, o mundo do pós-guerra e as crises socioeconômicas emergentes puseram um instantâneo fim às promessas do novo.
Enquanto isso, o esquizofrênico, confinado à ambulância, observando a obras e padrões arquitetônicos — a configurações cuja fronteira consiste antes, segundo Heidegger em sua etimologia, na imanência do seu acabamento interior, naquilo que a define, do que na extremidade de suas bordas com os objetos circundantes —, perde-se na cinética que desdobra-se por fora das janelas e deste movimento extrai os seus fluxos semióticos de continuidades e descontinuidades, os fluxos maternos, menstruais, pré-simbólicos que, como de súbito, traduzem as ruas da cidade segundo uma lógica recém-descoberta, aquela da diferença, do abandono sistêmico a qualquer pretensão de objetificação segundo a ótica do sujeito, à lógica do Cogito, criadora de todo o sentido, do deixar cair das costas, por fim, o fardo demasiadamente pesado de tudo daquilo que torna-se denominado a priori.
O bonsai, a sensibilidade estética do tom róseo das suas flores, a sensualidade na dança genética da ordenação de suas formas, a ingênua leveza de sua razão de ser lá onde esteve, não como uma prova a mais da imperativa verdade urbana, porém como um código sempre aberto que, quase no sentido de uma metafísica leibniziana, ainda que por certo não ontológica, desvela-se como a mônada, escorre por todo e qualquer um dos seus ângulos, toma e empresta do meio circundante as suas possibilidades de decodificação, lá, onde a cidade não é Construção, mas está em recorrente construção, não poderia ser de outra forma, afinal.
Frampton nos atenta, todavia, para uma arquitetura que assuma uma perspectiva arrière-garde, isto é, distanciada tanto dos obsoletos mitos de progresso quanto de um impulso confusamente maquiado em vista de um retorno reacionário às formas de um passado pré-industrial. Estamos aqui, portanto, entre o gradiente ideológico da total otimização da tecnologia avançada e da sua contraparte, a tendência em buscar revisitar um historicismo sempre nostálgico.
A ambulância avança e aproxima-se do Grande Hospital. Em Foucault, o Cogito cartesiano dá forma ao discurso psiquiátrico que empurra o desatino à margem, à sua completa condição a-histórica. A ambulância constitui uma espécie de máquina disjuntiva em sentido hjelmsleviano, existe uma fronteira intransponível entre o seu complexo de signos e aquele outro externo com o qual, em vão, tenta relacionar-se, a não ser que através de uma explosão disruptiva que ponha em questão todas as suas relações lógico-semânticas e as reorganize radicalmente em sua totalidade. O bonsai, o tom róseo, os galhos que dançam, os vetores esquizofrênicos; a abóbada da casa, a geometria triangular, a inclinação da forma, descontinuada apenas para assumir um novo sentido na continuação dos edifícios; a falta freudiana, neste sentido, assume uma forma tanto dissociativa quanto positiva, uma vez que, aqui, lida não com o ego, não com o sujeito, mas com os objetos propriamente ditos e as suas relações entre si, nunca edipianas, enquanto esta falta não é, além disso, traduzida em termos de pulsão de morte, contudo no seu aspecto positivo que consiste no rompimento mesmo com a lógica que determina que tudo o que está inacessível lhe é, portanto, inatingível, para uma outra extremamente oposta que fundamenta a possibilidade sempre atual da realização dos fluxos; esta sintaxe plena da diferença, que nada, por fim, significa, nada busca significar, a não ser na sua presença, naquilo a que Derrida alude em sua écriture. Não existe o núcleo noemático, o ego transcendente, desta vez, não pratica o escambo ilícito de símbolos que, continuados ou descontinuados, traduzem e representam o único e mesmo ente, aquele do sujeito husserliano.
A abóbada, o triângulo, o pitagorismo invadido e transbordado pelos incorporais estoicos, a forma, inclinada, ausente, delimitação topográfica de um espaço riemanniano explodido através das infinitas possibilidades de ordenação vetoriais.
O arquiteto, vanguardista, pós-moderno, mantém-se situado neste cenário contraditoriamente saturado e, ainda assim, sempre aberto a novos elementos, e começa por hesitar face à presença. É neste sentido que a promessa como a de um conceito como o de Regionalismo Crítico, primeiramente empregado por Alex Tzonis e Liliane Lefraive, está inserido. Enquanto busca pela árdua tarefa de desconstrução do mundo sociocultural dentro do qual está inserido, através de uma abertura diacrônica em vista das multiplicidades históricas, tem que, por meio de um movimento sintético contrário, elaborar a sua crítica material a respeito da chamada civilização universal e as engrenagens que a mantém respirando e sobrevivendo. Tal movimento permite, em última instância, uma espécie de relação mais intimamente dialética com a natureza do que aquelas mais formais e abstratas que as tradições modernas vanguardistas chegam a permitir. O movimento aberto da ambulância, o bonsai cor-de-rosa, a geometria não-castrada, enfim, todas estas relações de símbolos postas à prova…
— Texto escrito em 20 de março de 2025

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